Considerado o maior dos crimes, o genocídio é definido como o extermínio em massa de um grupo específico de pessoas, a exemplo do que fizeram os nazistas contra com a população judaica nos anos 1930 e 1940, quando mais de 6 milhões de judeus foram mortos no Holocausto.
Genocida, portanto, seria aquele que participou desse crime: seja governante, funcionário público ou da membro da sociedade civil. Essa participação inclui o genocídio em si, o conluio para cometê-lo, a incitação direta e pública, a cumplicidade e a tentativa de praticar esse crime.
Mas por trás dessa definição há um emaranhado jurídico sobre o que constitui de fato um genocídio e quando o termo pode ser aplicado.
E, para além das questões legais, o termo vem se tornando cada vez mais popular no debate político no Brasil. Em 2021, genocídio chegou a ser o termo mais popular do ano no dicionário brasileiro online Dicio, com mais de 4,5 milhões de buscas.
Genocídio também foi citado em pelo menos 1.500 discursos no Plenário da Câmara dos Deputados desde 1967, ano em que o deputado federal Cunha Bueno (Arena-SP) defendeu a extradição do austríaco Franz Stangl, oficial nazista que comandou campos de extermínio de judeus na Polônia e foi capturado no Brasil.
Tanto no Congresso quanto nas redes sociais e na imprensa utiliza-se os termos genocida ou genocídio, por exemplo, para falar sobre assassinatos de negros ou pobres, sobre perseguição e morte de indígenas e, por vezes, sobre as mortes decorrentes da pandemia de covid-19 durante o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL).
O presidente, aliás, foi acusado formalmente de genocídio no Tribunal Penal Internacional (TPI) — ele nega ter cometido qualquer crime na pandemia ou contra indígenas.
E para entender todas essas disputas em torno da palavra genocida, primeiro vale explicar como surgiu o crime de genocídio e quantos de fato aconteceram ao longo do século 20. Depois, vamos analisar as principais acusações de genocídio específicas contra Bolsonaro e o que ele diz sobre elas. E por fim, falaremos das críticas a um suposto uso exagerado desses termos ou ao uso como arma política contra adversários.
As origens dos termos genocida e genocídio
O termo “genocídio” foi cunhado em 1943 pelo jurista judeus polonês Raphael Lemkin, que combinou a palavra grega genos (raça ou tribo) com o termo em latim cide (matar). Após testemunhar os horrores do Holocausto, no qual foram mortos quase todos os membros de sua família, Lemkin passou a defender o reconhecimento do genocídio como um crime na lei internacional.
Seus esforços foram fundamentais para a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948. O texto entraria em vigor em 1951, sendo depois ratificado pelos países.
O artigo 2º da convenção define o genocídio como “qualquer um dos seguintes atos cometidos com a intenção de destruir, parcial ou totalmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como”:
- Assassinato de membros do grupo;
- Dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
- Submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial;
- Medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
- Transferência forçada de menores de idade do grupo atingido para um outro.
Há, no entanto, grandes divergências sobre como definir um genocídio e, por extensão, sobre quantos genocídios ocorreram no século 20.
Para alguns, só houve um genocídio no século passado: o Holocausto, durante o qual foram mortos mais de 6 milhões de judeus, além de adversários políticos, negros, homossexuais, pessoas com deficiência, comunistas, testemunhas de Jeová, integrantes da etnia roma e outras minorias.
Outros afirmam que houve, além do Holocausto, pelo menos outros dois genocídios segundo os termos da convenção da ONU de 1948: o assassinato em massa de armênios por turcos otomanos entre 1915 e 1920, uma acusação que a Turquia nega; a morte em Ruanda de cerca de 800 mil pessoas (Tutsi, Twa, e Hutus moderados) em 1994.
Mais recentemente, outros casos foram acrescentados a essa lista por alguns especialistas. Um deles é o massacre de Srebrenica, na Bósnia, em 1995, que foi considerado um genocídio pelo TPI para a Antiga Iugoslávia.
Outros casos considerados por parte dos especialistas são a Grande Fome da Ucrânia causada pela União Soviética (1932-33); a invasão do Timor Leste pela Indonésia (1975) e os assassinatos cometidos pelo Khmer Vermelho no Cambodja nos anos 1970, quando estima-se que 1,7 milhão de cambojanos morreram por causa de execuções sumárias, fome e trabalho forçado.
Em relação ao último, há divergências sobre o fato de que muitas vítimas do Khmer Vermelho eram alvo por causa de questões sociais ou políticas, o que os deixaria de fora da definição de genocídio aprovada na ONU.
Além desses casos, em 2010, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) emitiu um mandado de prisão contra o presidente do Sudão, Omar al-Bashir, sob acusação de genocídio. Ele liderou uma campanha contra cidadãos da região sudanesa de Darfur na qual 300 mil pessoas foram mortas ao longo de sete anos de conflito.
Mais recentemente, em março de 2016, os Estados Unidos classificaram o grupo jihadista Estado Islâmico de promover genocídio contra minorias yazidi, xiita e cristãs no Iraque e na Síria. “(O Estado Islâmico) é genocida por autoproclamação, por ideologia e por suas ações, no que diz, no que acredita e no que faz”, disse à época John Kerry, então secretário de Estado americano.
Em 2017, a Gâmbia acusou formalmente, na CIJ, o governo do Mianmar de cometer genocídio contra população da minoria rohingya, com “operações amplas e sistemáticas de limpeza étnica”. Centenas de milhares de pessoas fugiram para a vizinha Bangladesh, e estima-se que milhares tenham sido mortos. Mianmar nega a acusação.
Em 2021, os governos de EUA, Canadá e Holanda acusaram a China de cometer genocídio contra o povo da minoria uighur, na região autônoma de Xinjiang, no noroeste do país.
Há evidências de que o governo chinês submeteu uigures à esterilização forçada, ao trabalho forçado, a detenções em massa e torturas e estupros sistemáticos, ações que muitos afirmam que se enquadram no critério de genocídio. A China nega a acusação.
O TPI, por sua vez, rejeitou o pedido de uigures para investigar formalmente a China sob acusação de genocídio porque o governo chinês não é signatário do tribunal.
BBC














