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Você sabe o que é ser Liberal? Informe-se

Publicada em: 12/09/2022 10:05 - -destakMS

A resposta para o questionamento “o que é ser liberal?” depende de quando, de onde e para quem a pergunta foi feita.

Uma pessoa que se diz liberal pode ser de esquerda, de direita, de centro, democrata, autoritária, progressista, conservadora, petista, bolsonarista, a favor da legalização das drogas ou contra a legalização das drogas, por exemplo.

Mas como isso é possível? No fim das contas, tudo gira em torno das diversas definições do conceito de liberdade e das enormes divergências sobre o que deve ser feito para garanti-la. E é por isso que as pessoas que se dizem liberais (ou que são chamadas de liberais) podem defender tantas coisas diferentes.

Nem sempre foi assim, no entanto. No início, entre os séculos 18 e 19, o liberalismo se consolidava na política de olho principalmente em uma coisa: reduzir ou acabar com os poderes quase ilimitados dos reis e ampliar os direitos individuais. Mas, desde então, surgiram vários liberalismos, com muitas ramificações e divergências.

Atualmente, os liberais costumam ser divididos em dois grandes grupos: um mais à direita (conservador, neoliberal ou libertário) e outro mais à esquerda (progressista ou igualitário). E muitas vezes o debate passa mais por questões econômicas do que por questões políticas.

Para dar conta de toda essa complexidade, a BBC News Brasil vai responder a algumas das questões mais fundamentais para entender o liberalismo (ou os liberalismos) e seu peso político, explicando primeiramente as origens da ideologia e sua identificação com a direita ou com a esquerda do espectro político.

Depois, explicaremos como os liberais atualizaram suas ideias e se dividiram em diversas partes do mundo, incluindo o Brasil. Em seguida, mergulharemos em uma das principais críticas ao pensamento liberal: a desigualdade social. E, por fim, abordaremos a mais famosa corrente liberal no Brasil: o neoliberalismo.

As origens do liberalismo


O liberalismo como conjunto de ideais e posições políticas se consolidou na Europa e nos EUA a partir do século 19. Mas as origens dos conceitos que iriam resultar no liberalismo tem uma história muito mais antiga e — muitas vezes — nebulosa.


No livro Ideologias Políticas: Uma Introdução, o cientista político Andrew Shorten cita laços do liberalismo com a Grécia e a Roma Antiga, onde floresciam teorias e práticas sobre igualdade, democracia e o Estado enquanto garantidor da liberdade. E também com a China antiga e a defesa que o filósofo Lao Tsé fazia da existência de uma ordem natural (sem interferências humanas).


Há também traços de ideias liberais por volta do século 16, mais especificamente na defesa da liberdade de pensamento durante a Reforma Protestante, liderada por Martinho Lutero, e na consolidação do capitalismo enquanto sistema econômico.


Mas o filósofo e professor brasileiro Amaro Fleck (UFMG) explica que o termo liberal carregou, do início da era cristã até o final do século 18, diversos significados que não estavam ligados exatamente a uma ideologia política ou a um posicionamento político. A palavra liberal servia, por exemplo, para descrever alguém tolerante, nobre, generoso, extravagante, não fanático ou livre de preconceitos.


A doutrina liberal começa a ganhar forma, ainda sem o nome liberalismo, ainda no século 17. Dois dos principais pensadores apontados como precursores dessa corrente são os britânicos Thomas Hobbes e John Locke, ambos associados à defesa do uso da razão em detrimento das verdades religiosas absolutas. Essa perspectiva seria o centro do Iluminismo, movimento que começa no século 17 e vai até o século 18.


Hobbes defendia, por exemplo, que o Estado precisava de justificativas bem plausíveis para restringir a liberdade dos cidadãos. Locke falava em governo limitado, respeito a direitos dos indivíduos e defesa da propriedade pelo Estado, entre outras questões.


Durante o Iluminismo, o termo liberal começaria a denotar em francês uma defesa das liberdades individuais e das liberdades políticas. Mas ainda não havia um conjunto de ideias liberais organizadas, um liberalismo propriamente dito.


Outro nome importante ligado ao Iluminismo e às raízes da doutrina liberal é o filósofo e economista escocês Adam Smith, que viveu no século 18 e é considerado por alguns o pai da economia moderna. Ele foi o primeiro a explicar conceitos econômicos como preço, produção, distribuição, finanças públicas, comércio internacional e crescimento econômico.

Smith criticava duramente a regulação do comércio pelo Estado e dizia que se as pessoas fossem livres para se desenvolver, isso produziria prosperidade econômica para todos.

Segundo Fleck, o termo liberal só se tornaria mesmo um rótulo político, uma referência à ideologia política do liberalismo, no século 19. Mais especificamente nas Cortes espanholas entre 1810 e 1812 como uma posição política contrária ao absolutismo, um sistema político caracterizado por um líder supremo com poder quase ilimitado, como as monarquias da época.

Liberalismo se consolidou no século 19 em torno da luta política contra concentração de poder, mas hoje a doutrina é mais lembrada pelo debate econômico

“O liberalismo é uma sociedade dos direitos. É um modelo de sociedade baseado em direitos e baseado na lei. O Estado democrático é liberal. É o Estado de direito versus o Estado de arbítrio. Ninguém é obrigado a fazer nada ou a deixar de fazer se a lei não diz. E é do liberalismo que vêm, por exemplo, todos os direitos fundamentais, os direitos civis. O liberalismo vai conquistando isso pouco a pouco. Tirava poderes do rei e transferia para parte dos cidadãos”, explica Wilson Gomes, pesquisador e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em entrevista à BBC News Brasil.

Ao longo do século 19, o liberalismo ganha força crescente na Europa por meio de pensadores que já se enxergavam como liberais, a exemplo do francês Alexis de Tocqueville e do inglês John Stuart Mill.

Em obras como Da Democracia na América, Tocqueville passa a defender uma primeira versão teoricamente bem elaborada de um modelo antidemocrático ou pouco democrático do liberalismo, afirma Fleck.

Isso porque Tocqueville enxergava o governo popular como uma ameaça (numa espécie de tirania da maioria contra a minoria) e a expansão dos direitos sociais (como o direito ao trabalho) como uma usurpação da verdadeira liberdade ao desembocar no socialismo (e por extensão, em sua visão, em uma nova forma de servidão). Era uma espécie de corrente mais conservadora do liberalismo.

Stuart Mill, numa espécie de corrente mais social liberal, considerava que a liberdade passa pelos limites impostos à maioria da sociedade e aos políticos governantes para evitar tiranias — seja em regimes de livre comércio, como os capitalistas, ou com intervenção e regulação estatal na economia, como os socialistas.

Mas quais seriam esses limites? Fleck explica que o pensador inglês se orientava pelo chamado princípio do dano, ou seja, a “humanidade só pode interferir na conduta individual para sua própria autoproteção, para evitar danos a outros indivíduos (e nunca para evitar que o indivíduo cometa danos contra si mesmo)”.

Fleck conta que, naquela época, o termo liberal passou a ter uma conotação também econômica apenas na Grã-Bretanha, e não apenas política, como na Alemanha, França, Espanha ou Itália.

“Quando se falava de liberalismo nesses países, falava-se necessariamente da defesa das liberdades individuais e políticas, e de uma defesa desconfiada de um governo representativo, que deveria ser também moderado porque senão poderia resultar em tirania. (…) Apenas na Grã-Bretanha é que houve esse vínculo entre liberalismo político e liberalismo econômico. Isto é, entre a defesa desconfiada de um governo representativo e a defesa enfática do livre comércio.”

O neoliberalismo

No início do século 20, o liberalismo sofreria uma de suas principais reformulações: o neoliberalismo.

Em sua tese de doutorado na Unicamp sobre o neoliberalismo e os institutos liberais no Brasil pós-redemocratização, a cientista social e escritora brasileira Denise Barbosa Gros explica que o neoliberalismo, em resumo, consiste em “legitimar, teoricamente, um conjunto de mudanças na forma de gerir a economia e a sociedade, dentre as quais é central a diminuição do papel que o Estado desempenha num modelo econômico que permite maior integração dos países ao processo de globalização financeira, dos mercados e da produção”.

Ligado à Escola Austríaca de Economia, Friedrich Hayek foi um dos líderes da reformulação do liberalismo que passou a ser conhecida como neoliberalismo

Um dos principais alvos das mudanças seria o princípio clássico liberal do laissez-faire (“deixai fazer”, em francês), que tratava da ideia de que o mercado seria uma entidade natural da economia que deveria ficar a salvo da intervenção do governo e do Estado. Não deveria haver, portanto, nem regulação do mercado de trabalho, nem medidas de proteção no comércio internacional, por exemplo.

Expoentes da doutrina liberal como o economista e filósofo austríaco Friedrich Hayek (Prêmio Nobel e um dos líderes da chamada Escola Austríaca) e o escritor americano Walter Lippmann criticavam a adoção radical do laissez-faire e defendiam a ideia de “um Estado limitado, porém necessário”.

Ou seja, alguns dos liberais do século 19 defendiam que não deveria haver qualquer interferência do Estado no livre mercado, deixando-o como sempre esteve porque o mercado tenderia naturalmente ao equilíbrio. Depois, neoliberais como Hayek passaram a defender uma interferência mínima do Estado para criar deliberadamente um sistema econômico competitivo que favoreça o “livre mercado”.

Fleck, da UFMG, explica que a defesa de Hayek pela intervenção do Estado é bastante restrita e ligada a serviços essenciais. “Não há dúvida de que um mínimo de alimentos, abrigos e roupas suficientes para conservar a saúde e a capacidade do trabalho pode ser garantido a todos”, escreve Hayek no livro O Caminho da Servidão.

Mas isso não significa que Hayek seja a favor da intervenção do Estado na economia. Pelo contrário. Segundo Fleck, o argumento central de Hayek passa pela ideia de que a interferência do Estado na economia (para corrigir distorções de preços, salários ou setores econômicos, por exemplo) levaria inevitavelmente a um regime totalitário, com cada vez mais controle sobre a sociedade. Hayek fazia uma espécie de alerta contra os riscos inesperados do método usado por socialistas para alcançar mais justiça social e igualdade.

“O argumento de Hayek segue o padrão da ladeira escorregadia. Uma vez que se recorre ao procedimento do planejamento central, se cria uma propensão a usá-lo novamente e de forma cada vez mais intensa. Assim se dá cada vez mais poder ao comitê de planejamento, que de forma arbitrária decide a vida de milhares de indivíduos. Ainda que se tomem todas as devidas precauções, a concentração de poder resultará em tirania”, explica Fleck.

Mas, entre os anos 1950 e 1960, o neoliberalismo começaria a viver um novo momento, capitaneado pelo economista americano Milton Friedman, então professor da Universidade de Chicago e também Prêmio Nobel de Economia. Nesse momento, os neoliberais voltam a defender alguns aspectos liberais como o laissez-faire e de um não intervencionismo quase radical.

Além disso, a chamada Escola de Chicago defendia, segundo o Dicionário Routledge de Economia, que as forças do livre mercado tinham poder para resolver quase todos os problemas da sociedade e que o Estado deveria ter o mínimo poder possível e se abster da busca inviável de controlar a economia.

Logo, as ideias neoliberais não ficariam restritas aos economistas. E não demorou para que políticos começassem a levantar a bandeira do neoliberalismo e serem eleitos — ou darem golpes de Estado — defendendo essa ideologia.

Esse avanço ganhou força particularmente a partir da década de 1970, quando a estagflação (combinação de estagnação econômica ou recessão com inflação alta) e outros problemas econômicos semearam dúvidas sobre as políticas mais intervencionistas inspiradas pelo economista britânico John Maynard Keynes. Foi quando muitos políticos governos buscaram alternativas para cortar gastos públicos e promover o crescimento econômico.

Os três principais difusores da alternativa neoliberal no campo político foram o presidente americano Ronald Reagan, a primeira-ministra britânica Margareth Thatcher e o ditador chileno Augusto Pinochet.

No poder entre 1979 e 1990, Thatcher deu origem ao fenômeno político batizado de thatcherismo, termo cunhado pelo sociólogo britânico-jamaicano Stuart Hall.

Thatcher e seus aliados do Partido Conservador se notabilizaram por desregulação, privatização, redução da carga tributária e do dinheiro em circulação (para conter inflação) e nacionalismo, resume o Dicionário Conciso de Política de Oxford.

O neoliberalismo de nomes como Hayek e Friedman era uma das principais influências teóricas do thatcherismo, marcado também pelo princípios de lei e ordem e de liberdade associada à responsabilidade individual (algo mais ligado aos libertários do que aos conservadores).

Com o objetivo de reerguer a economia britânica e modernizar o conservadorismo, Thatcher substituiu todo o aparato de bem-estar e proteção social por um programa de austeridade fiscal com enorme corte de gastos e ampla redução do tamanho do Estado por meio da venda de empresas públicas de setores como gás, energia, água e telecomunicações.

Primeira-ministra britânica Margareth Thatcher foi uma das principais figuras políticas do conservadorismo e do neoliberalismo

Durante esse período, thatcheristas também atacaram sindicatos, monopólios, servidores públicos, a União Soviética e a União Europeia. Por outro lado, formaram uma espécie de coalizão com governantes como Reagan, que ao lado de Thatcher lideraria um movimento político batizado de nova direita (“new right”, em inglês).

Reagan foi eleito em 1980 com apoio de uma corrente ideológica chamada neoconservadorismo, a principal transformação do conservadorismo tradicional desde o seu surgimento.

Houve uma espécie de união entre diversos grupos de direita, como cristãos evangélicos, intelectuais que se afastaram da esquerda, defensores da família tradicional e de leis mais duras, grandes empresas e militares anticomunistas.

Todas esses grupos se uniriam em torno do liberalismo libertário (com intervenção mínima do Estado na economia e na sociedade), do tradicionalismo moral e do anticomunismo, explica a cientista política e escritora brasileira Marina Basso Lacerda em sua tese de doutorado que daria origem ao livro O Novo Conservadorismo Brasileiro: De Reagan a Bolsonaro, finalista do prêmio Jabuti em 2020.

O Chile sob Pinochet, por fim, seria considerado pelo historiador e escritor britânico marxista Perry Anderson como a primeira experiência neoliberal sistemática do mundo.

Pinochet chegou ao poder em 11 de setembro de 1973, data em que os militares deram o golpe que resultou na deposição e na morte do então presidente socialista Salvador Allende.

Naquela época, o país sul-americano enfrentava uma forte crise econômica. O governo Allende havia nacionalizado diversas empresas privadas e permitido a tomada por trabalhadores de fábricas e propriedades rurais, o que aumentou a hostilidade de grande parte do empresariado. Além disso, a inflação afetava os salários da classe média.

Ao tomar o poder, Pinochet entregou o comando da economia a um grupo de economistas formados na Universidade de Chicago (que depois seriam conhecidos como “Chicago Boys”), sob a liderança de Friedman. Quase que imediatamente, eles afrouxaram os controles estatais sobre a economia, liberaram exportações, venderam estatais e confiaram na “mão do mercado” para conduzir o crescimento econômico do país, algo considerado revolucionário naquele momento.

“Inspirado em Hayek, Friedman e na Escola de Chicago, o Chile conseguiu, durante a ditadura, de 1973 a 1989, aplicar o receituário liberal em toda a sua extensão: desregulamentação, desemprego, repressão sindical, ‘redistribuição’ de renda em favor dos ricos e privatização dos bens públicos”, escreve Denise Barbosa Gros em estudo sobre o tema.

O regime de Pinochet também ficaria marcado pela extrema violência contra qualquer oposição. Mais de 3 mil pessoas foram mortas pela ditadura chilena e dezenas de milhares foram torturadas ou presas ilegalmente.

Neste período no Chile há também uma aproximação dos neoliberais com os neoconservadores, movimento que no Brasil se tornou popular pelo rótulo “liberal na economia e conservador nos costumes”.

Na prática, esses liberais conservadores defendem que o Estado não pode intervir na esfera pública (ao oferecer ensino público ou cotas em universidades), mas pode na vida privada (ao proibir aborto e consumo de drogas).




Fonte: conteúdo MS 

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