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Você sabe o que é ser Facista? Informe-se

Publicada em: 12/09/2022 10:09 - -destakMS

De 1964 a 2022, a palavra “fascista” foi usada 954 vezes em discursos na Câmara dos Deputados, em Brasília. Dessas, 411 vezes (ou 43% das ocorrências) aconteceram apenas nos últimos cinco anos.

O aumento significativo no uso da palavra não é por acaso. Nos últimos anos, “fascista” se tornou um dos adjetivos mais populares e talvez menos compreendidos do debate político brasileiro — e mundial.

Usado na maioria das vezes para desqualificar (ou xingar) adversários políticos, a utilização atual do termo guarda pouca ou nenhuma referência com a ideologia criada na Itália do início do século 20 por Benito Mussolini e que inspiraria outros extremismos — como o nazismo — e serviria de catalisador para o mais sangrento conflito de nossa história, a Segunda Guerra Mundial.

Mas, para além dos xingamentos e insultos, a BBC News Brasil explica nos próximos parágrafos o que de fato é o fascismo e quem são (ou eram) fascistas.

Para isso, é importante entender primeiro as origens desta ideologia e se ela se enquadra à esquerda ou à direita do espectro político. Depois, vamos discutir por que alguns pesquisadores identificam elementos do fascismo em movimentos atuais de extrema direita - e por que alguns consideram que a ideologia ficou no passado.

Por fim, entenderemos como o uso desses termos se transformou num insulto tão usado na briga política do Brasil e de outros países.

As origens do fascismo

A Primeira Guerra Mundial deixou cerca de 20 milhões de mortos, outros 20 milhões de feridos e a Europa destruída.

Mas o sangrento conflito, que durou entre 1914 e 1918, também deixou em ruínas as instituições políticas do mundo, com alternativas ao modo dominante do capitalismo da época surgindo das cinzas da guerra: enquanto na Rússia os bolcheviques implantavam a primeira experiência comunista a partir da revolução de 1917, na Itália, Benito Mussolini, ex-jornalista, ex-socialista e ex-combatente, criava o movimento que ficaria conhecido como fascismo.

O início oficial do fascismo é normalmente situado em 23 de março de 1919, quando Mussolini fundou em Milão o grupo Fasci Italiani di Combattimento, que reunia veteranos da guerra, sindicalistas e jovens intelectuais.

O objetivo principal dos integrantes era combater o socialismo, considerado por eles o oposto do nacionalismo defendido pelos fascistas. O programa de propostas do grupo, no entanto, era repleto de lacunas, contradições e apropriações.

A começar pelo nome, que não era exatamente uma novidade política. Ele se baseava na palavra de origem latina fasces, uma espécie de machado com gravetos amarrados usado na Roma antiga como símbolo de autoridade e unidade do Estado — um de seus significados sugeria que pode ser fácil quebrar um graveto, mas é muito mais difícil quebrar um feixe deles.

Mas o símbolo das fasces já era usado por outros grupos antes de ser adotado por Mussolini, inclusive como emblema de solidariedade entre os militantes de movimentos de esquerda e revolucionários na Europa, por exemplo.

De qualquer forma, Mussolini e seus aliados passaram a atuar como um partido na política italiana, mesmo que suas propostas não fossem muito claras e que, por vezes, não passassem de provocações e atos de violência praticados pelos “camisas-negras”, nome pelo qual ficaram conhecidos os apoiadores fascismo pela cor das vestimentas que usavam.

Para se ter uma ideia, Mussolini foi questionado certa vez pelo jornal italiano Il Mondo sobre quais seriam suas principais propostas políticas. Em resposta, o líder fascista disse: “Nosso programa é quebrar os ossos dos democratas do Il Mondo, e quanto antes, melhor”.

Em um dos primeiros atos do movimento fascista, aliás, amigos de Mussolini invadiram o jornal socialista em que o líder trabalhou, deixando quatro mortos, 39 feridos e equipamentos destruídos.

Com poder crescente, o Partido Fascista é convidado a integrar a coalizão do governo italiano. em 1921. No ano seguinte, em meio ao caos político na Itália, os camisas-negras marcham sobre Roma e Mussolini se apresenta como o único homem capaz de restaurar a ordem. A ofensiva foi bem-sucedida.

Mussolini chega ao poder com apoio da monarquia, de grandes empresários e do Vaticano. E aos poucos desmonta todas as instituições democráticas. Em 1925, ele se torna ditador e assume o controle de todos os poderes do Estado. O regime parlamentar e democrático italiano daria lugar a um Estado totalitário regido pela falta de liberdades individuais, políticas e organizacionais.

O movimento fascista italiano não estava sozinho em sua ascensão. Em 1933, seria a vez do líder nazi-fascista Adolf Hitler chegar ao poder na Alemanha. Ex-estudante de artes e ex-combatente, ele aderiu em 1919 a um partido extremista alemão, no qual ganhou cada vez mais influência com discursos em torno do ressentimento de um país derrotado e humilhado na Primeira Guerra.

Hitler propunha remédios extremistas para os problemas do pós-guerra e culpava abertamente comunistas, judeus, ciganos e minorias religiosas por essas mazelas. Em 1920, ele funda o movimento nazista com bandeiras nacionalistas, antissemitas, anticomunistas e anticapitalistas. Três anos depois, ele tenta um golpe de Estado, mas acaba levado à prisão, onde escreve a obra Minha Luta, na qual destrincha sua ideologia política, bastante inspirada no fascismo italiano.

Em 1932, em meio a um caos político e econômico na Alemanha, os nazistas se tornam o maior partido do Parlamento. No ano seguinte, Hitler se torna chanceler da coalizão de governo e, como Mussolini, desmonta as instituições democráticas e se torna ditador. Em 1939, os fascistas italianos e os nazistas alemães assinam um pacto militar, e a Alemanha invade a Polônia, dando início à Segunda Guerra Mundial.

Mas o que define o fascismo?

A ascensão de Mussolini e Hitler fez com que analistas no mundo todo passassem a tentar entender melhor a ideologia responsável pelo genocídio de milhões de pessoas e por uma guerra que abalaria as estruturas do mundo todo.

Ao longo de décadas, estudiosos conseguiram identificar alguns ingredientes típicos do caldeirão fascista: o líder forte, o contexto de crise socioeconômica, a participação das elites capitalistas, o militarismo, o racismo, o pragmatismo, o antiintelectualismo, o controle da sociedade, as paixões mobilizadoras, a propaganda, a mentira, o medo generalizado, a violência, a religião, o anticomunismo, o nacionalismo, a composição social, o imperialismo e a sociedade de massa.

Há dezenas de milhares de livros e artigos em torno do tema, mas “no final das contas, nenhuma interpretação do fascismo parece ter conseguido satisfazer a todos de forma conclusiva”, resume o cientista político e historiador americano Robert Paxton no livro Anatomia do Fascismo.

Ele próprio, inclusive, oferece sua definição. Mas antes ele faz a ressalva de que uma definição descreve tão bem (ou tão mal) um objeto de estudo quanto uma fotografia descreve uma pessoa.

Para Paxton, o fascismo pode ser definido como um comportamento político marcado por uma preocupação obsessiva com a decadência e a humilhação de um grupo social, tido como vítima; um partido de base popular formada por militantes nacionalistas; uma cooperação ambígua com elites tradicionais; um repúdio às liberdades democráticas; limpeza étnica (havia perseguição a judeus e a membros da etnia roma — conhecidos popularmente como ciganos— tanto no nazismo quanto no fascismo, por exemplo); expansão internacional violenta; e desrespeito às leis e à ética.

Mas mesmo assim há uma série de elementos que dificultam a definição do fascismo, como as diferenças entre as experiências consideradas fascistas, o pragmatismo do movimento — que o levou a se adaptar enquanto se consolidava no poder (ou seja, a facilidade com que o fascismo adotava e abandonava ideias a depender das circunstâncias) — e as semelhanças com outras formas de poder totalitárias, ditatoriais, populistas, autoritárias e tirânicas.

Assim como Paxton, diversos estudiosos buscaram identificar semelhanças em maior ou menor grau entre esses movimentos e regimes para chegar a uma definição de fascismo. O número de características varia bastante, e chega a passar de 20 em algumas listas.

Um verbete assinado pela socióloga italiana Edda Saccomani no Dicionário de Política, organizado pelo filósofo Norberto Bobbio, aponta diversas características presentes em todos esses movimentos fascistas.

Entre eles, a monopolização da representação política por parte de um partido único de massa e hierarquicamente organizado, ideologia fundada no culto ao chefe, na exaltação da coletividade nacional, no desprezo pelos valores do individualismo liberal e também pelo ideal da colaboração entre diversas classes sociais, em oposição frontal ao socialismo e ao comunismo (que pregam a luta de classes), aniquilamento das oposições mediante o uso da violência e do terror e propaganda baseada no controle das informações e dos meios de comunicação de massa.

Fascismo é de direita ou de esquerda?

No mundo acadêmico e político — inclusive na Itália e na Alemanha —, há praticamente um consenso de que o fascismo e o nazismo estão no campo da extrema direita do espectro das doutrinas políticas. Ou seja, no lado completamente oposto do comunismo nessa espécie de escala ideológica.

Além disso, o próprio Museu do Holocausto em Israel, fundado em homenagem aos mais de 6 milhões de judeus mortos pelo regime liderado por Hitler, classifica o nazismo como de direita. Segundo a instituição, havia um clima de frustração após a Primeira Guerra Mundial que, “junto à intransigente resistência e alertas sobre a crescente ameaça do comunismo, criou solo fértil para o crescimento de grupos radicais de direita na Alemanha, gerando entidades como o Partido Nazista”.

O Dicionário Conciso de Política de Oxford, por sua vez, classifica o fascismo como “movimento ou ideologia nacionalista de direita com estrutura hierárquica e totalitária que se opõe fundamentalmente à democracia e ao liberalismo”.

Já para Kevin Passmore, autor de Fascismo: Uma Breve Introdução, o fascismo é um movimento de extrema direita justamente porque se opõe com hostilidade extrema ao socialismo e ao feminismo, afirmando que, entre outros motivos, eles priorizam “classes ou gêneros em vez da nação”.

Essa oposição aproximaria os fascistas de parte dos conservadores no campo da direita, por serem contrários a mudanças econômicas, sociais, políticas, morais ou culturais. No entanto, os fascistas estão dispostos a ir bem além e atropelar os interesses conservadores (família, propriedade, religião…) se isso for necessário para garantir o que veem como os interesses da nação.

Segundo Passmore, o fascismo é considerado também um movimento radical porque a derrota do socialismo e do feminismo e a construção da nação dependem da chegada ao poder de uma “nova elite agindo em nome do povo, comandada por um líder carismático, e personificada em um partido de massas militarizado”.

Só que, por outro lado, um grupo bem pequeno de especialistas elenca semelhanças entre o fascismo e o comunismo. E parte desses especialistas (e alguns políticos) se baseia nisso para situar ambos no campo da esquerda.

Eles apontam semelhanças como a forte contestação ao capitalismo liberal e o totalitarismo, termo usado para descrever uma forma de governo ditatorial que controla praticamente todos os aspectos da atuação do Estado e da vida privada.

Esse tema (“nazismo é de esquerda?”) ganhou força no Brasil em 2017 no acirramento da polarização política no país e costuma reverberar entre membros do alto escalão do governo de Jair Bolsonaro.

O “socialista” no nome do partido liderado por Hitler, Partido Nacional-Socialista, é um dos principais argumentos usados nos debates de internet que falam no nazismo como um movimento de esquerda.

Para especialistas entrevistados pela BBC News Brasil à época, a confusão de conceitos alimenta um debate repleto de equívocos e ignorância.

“O que é fundamental aí é o termo ‘nacional’, não o termo ‘socialista’. Essa é a linha de força fundamental do nazismo — a defesa daquilo que é nacional e ‘próprio dos alemães’. Aí entra a chamada teoria do arianismo”, afirmou o linguista brasileiro Izidoro Blikstein, professor de Linguística e Semiótica da USP e especialista em análise do discurso nazista e totalitário.

“Dizer apenas que Hitler era um político de direita é apequenar o nazismo. Foi mais do que direita ou esquerda. Foi uma doutrina arquitetada para defender uma raça, embora esse conceito seja discutível e pouco científico.”

Já Denise Rollemberg, historiadora brasileira e professora de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF), diz que é bastante complicado classificar o nazi-fascismo no espectro político atual.

Integrantes de grupo neonazista

“O nazismo nasce no meio de uma crise de referências muito grande após a Primeira Guerra. Muitos passaram de um lado para outro. Os valores muitas vezes vão se embaralhar, e esses conceitos de direita e esquerda atuais não resolvem bem o problema. (...) Eles rejeitavam o que era a direita tradicional da época e também a esquerda que estava se estabelecendo. Eles procuravam se mostrar como um terceiro caminho.”

CNN

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