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Você sabe o que é ser Conservador? Informe-se

Publicada em: 12/09/2022 10:19 - -destakMS

É assim que o cientista político português João Pereira Coutinho resume o que é o pensamento conservador, uma das ideologias políticas mais influentes no mundo — incluindo Brasil — nos últimos dois séculos. Ele mesmo um influente pensador conservador, Coutinho traz a definição em seu livro As Ideias Conservadoras Explicadas a Revolucionários e Reacionários.

Só que o próprio livro já começa com a ressalva de que não existe um conservadorismo, mas sim vários conservadorismos. O que torna ainda mais complexa a tarefa de definir essa corrente de pensamento que dominou a política nos últimos 200 anos ao lado do liberalismo e do socialismo.

O conservadorismo seria “uma filosofia política que aspira a preservação do que pensa ser o melhor na sociedade e que se opõe a mudanças radicais”, arrisca o Dicionário Conciso de Política de Oxford.

O problema é saber o que e como os conservadores querem preservar, já que isso varia bastante de um país a outro e de uma época a outra.

Segundo o cientista político e escritor brasileiro Bruno Garschagen, conservadores rejeitam tentativas de definição porque isso aprisionaria uma característica fundamental do pensamento conservador: transformar-se a depender das circunstâncias e incorporar mudanças como a defesa do liberalismo econômico e, por extensão, uma menor intervenção do Estado.

Ainda assim, pesquisadores identificam alguns pontos em comum nas mais diversas manifestações conservadoras ao longo dos séculos. Entre eles, o pragmatismo (que facilita incorporar e abandonar bandeiras), o temor a mudanças bruscas, a preservação das tradições e das hierarquias, o nacionalismo, a proteção da família, as bases religiosas e a defesa das instituições.

Nos próximos parágrafos, a BBC News Brasil vai responder algumas das questões mais fundamentais para entender o conservadorismo, explicando primeiramente as origens da ideologia e sua identificação com a direita do espectro político.

Depois, explicaremos como os conservadores atualizaram suas ideias e criaram uma nova e bem-sucedida onda em diversas partes do mundo, incluindo o Brasil. Em seguida, mergulharemos em um dos principais pilares do novo conservadorismo: a religião. E, por fim, abordaremos as principais críticas dos adversários aos preceitos conservadores.

As origens do conservadorismo

O conservadorismo tem sido associado à direita desde a sua ascensão com feições modernas, na esteira da Revolução Francesa, no final do século 18.

Isso porque, durante um debate em 1789 na Assembleia Constituinte sobre quanto poder a monarquia deveria continuar tendo, a discussão foi tão acalorada e apaixonada que os adversários acabaram estrategicamente localizados na sala segundo as suas afinidades.

Nas cadeiras localizadas à direita do presidente da Assembleia, o lado da nobreza, sentaram-se os integrantes da ala mais conservadora. Eles eram os leais à Coroa, queriam conter a revolução e defendiam que o rei de então — Luís 16 — conservasse o poder e o direito ao veto absoluto sobre todas as leis.

Mas por que eles se sentaram desse lado? Porque a direita era o lado nobre e porque, segundo a tradição cristã, é uma honra se sentar no lado direito de Deus ou se sentar à mesa à direita de um patriarca ou uma matriarca, explica Pierre Bréchon, cientista político e professor (Sciences Po Grenoble), em artigo sobre o tema.

Do lado esquerdo, ficaram os que defendiam os ideais republicanos que guiavam a revolução. Eles eram os mais progressistas na sala, os que clamavam por uma mudança radical de ordem. O rei só deveria ter direito a um veto suspensivo. Ou seja, se ele não concordasse com um projeto de lei, ele poderia suspender o processo por um certo tempo, mas não poderia interrompê-lo ou cancelá-lo definitivamente. Na prática, isso significaria o fim do poder absoluto do monarca.

Os conservadores foram derrotados nessa disputa, e o rei Luís 16 perderia todo seu poder, sendo executado na guilhotina em 1793. Os ideais conservadores, no entanto, não morreriam com ele, muito pelo contrário.

Um pouco mais ao norte da França, enquanto acontecia a revolução francesa, o filósofo e político irlandês Edmund Burke (1729-1797) lançava as bases do que seria o conservadorismo moderno no livro Reflexões sobre a Revolução na França, lançado em 1790.

Burke não inventou o conservadorismo, mas foi o primeiro a organizá-lo. Tentativas de identificar as raízes do pensamento conservador veem traços da ideologia nas ideias do filósofo grego Aristóteles, que considerava a experiência humana transmitida por gerações como a principal fonte de conhecimento, no filósofo chinês Confúcio, com sua atitude cautelosa sobre mudanças nas instituições, e no filósofo escocês David Hume, por seu ceticismo em relação à razão.

Já para Burke, teorias políticas devem derivar da prática política, e não ser impostas sobre a prática política, como pregam os revolucionários. Afinal, segundo ele, as grandes instituições humanas não surgiram de discussões abstratas, mas sim da experiência construída e transmitida ao longo de gerações e gerações.

Assim, Burke se opunha tanto aos reacionários (que defendem voltar a um passado considerado superior) quanto aos revolucionários (que pregam a derrubada da ordem social e da hierarquia vigentes em troca de um suposto benefício futuro). Mas isso não significa uma rejeição intransigente a qualquer tipo de progresso: “Um Estado sem meios para mudar não tem meios para se conservar”, escreveu.

Outro nome fundamental para entender o conservadorismo é o do filósofo e teórico político inglês Michael Oakeshott, nascido em 1901 e morto em 1990. Em seu ensaio Ser Conservador, que foi publicado em 1956 e ainda continua bastante popular, ele fala do que chamou de “predisposição” dos conservadores a desfrutar do presente.

“Ser conservador é, pois, preferir o familiar ao estranho’, preferir o que já foi tentado a experimentar, o fato ao mistério, o concreto ao possível, o limitado ao infinito, o que está perto ao distante, o suficiente ao abundante, o conveniente ao perfeito, a risada momentânea à felicidade eterna”, disse Oakeshott.

Mais uma vez, isso não quer dizer os conservadores se oponham a qualquer tipo de mudança. Na ampla maioria das formas de conservadorismo, são aceitos pequenos “ajustes” necessários para preservar tradições, práticas e costumes.

Em sua obra A Política da Prudência, o filósofo americano Russell Kirk reúne dez princípios do conservadorismo que ele diz serem aceitos por grande parte dos conservadores e serviriam de base para decidir sobre eventuais mudanças. Uma delas afirma que os conservadores acreditam na existência de uma ordem moral duradoura, outra trata da crença do que se chama de princípio da consagração pelo uso.

Para Kirk, valores como ordem, justiça e liberdade, por exemplo, são resultado de séculos de experimento, reflexão e sacrifício. Para ele, isso faz da sociedade uma espécie de corporação espiritual como uma Igreja, uma comunidade de almas, e a religião, junto da família e da educação, está na base cultural de uma sociedade sadia.

Outro pensador inglês, Roger Scruton, explica que a religião desempenha um papel fundamental para os conservadores porque ela introduz “as ideias do sagrado e do transcendental que espraiam influência em todos os costumes e cerimônias associativas”. Isso é mais forte, obviamente, para os conservadores religiosos.

“Para essas pessoas, as capacidades humanas concedidas por Deus são exercidas nos ofícios de governo, e é a partir dessas capacidades que surge uma ordem civil livre e regida por lei. Nessa perspectiva, as características fundamentais da ordem democrática ocidental são ordenadas por Deus: a propriedade privada e a troca voluntária; a responsabilidade e os direitos e deveres que dela emergem; instituições autônomas pelas quais o Espírito Santo opera entre nós e a partir das quais aprendemos os caminhos para a paz”, explica Scruton no livro Como Ser Conservador.

Neoconservadorismo

Toda essa ideologia conservadora, que teve início no século 18 e se estabeleceria nos dois séculos seguintes, foi desaguar naquilo que muitos pesquisadores contemporâneos chamam de “neoconservadorismo”, corrente que teve origem na política americana no século 20.

Esta foi a principal transformação do conservadorismo tradicional desde o seu surgimento, afirmam especialistas. E o principal gatilho foi o avanço do lado oposto, a esquerda. A exemplo das revoluções comunistas ou socialistas pelo mundo e das transformações adotadas pelo liberalismo, que em parte passou a incorporar bandeiras da esquerda (como justiça social promovida pelo Estado e defesa de direitos civis para minorias, como os homossexuais).

O pano de fundo para o florescimento do neoconservadorismo foi a acirrada disputa geopolítica entre Estados Unidos e União Soviética, batizada de Guerra Fria, que durou do fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, até a queda do muro de Berlim, em 1989.

Nesse contexto, houve uma espécie de união entre diversos grupos de direita, como cristãos evangélicos, intelectuais que se afastaram do liberalismo, defensores da família tradicional e de leis mais duras, grandes empresas e militares anticomunistas.

Em sua tese de doutorado que daria origem ao livro O Novo Conservadorismo Brasileiro: De Reagan a Bolsonaro, finalista do prêmio Jabuti em 2020, a cientista política e escritora brasileira Marina Basso Lacerda explica que o movimento neoconservador nos EUA começou a ganhar força a partir dos anos 1950 com bandeiras como anticomunismo (“o perigo vermelho”), segurança pública com punições mais duras, livre mercado e principalmente a defesa da família tradicional e da moral religiosa (como reação ao feminismo e ao movimento negro).

Neste mix de ideias, a religião também passou a ter um papel bastante importante, e a direita cristã se tornou a coluna cervical do neoconservadorismo.

Lacerda explica que Leo Strauss, considerado pai do neoconservadorismo americano, pregava que o funcionamento de toda sociedade depende de “um conjunto de ideias que definam o que é verdadeiro e falso/certo e errado, e o instrumento mais poderoso para tanto seria a religião, que liga uma ordem política a uma verdade definitiva, dando coesão a uma comunidade”.

Para a pesquisadora, há um paralelo entre a onda conservadora recente no Brasil e o neoconservadorismo, que se adaptou bem ao ambiente político do país nas últimas décadas.

BBC News

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